Um Poema de Alexandre Guarnieri

iluminação artificial

I
quem poderia supor a estranheza de um gás aceso, que, para exercer seu fascínio, e revelar o mais concêntrico dos segredos, houve quem conseguisse confiná-lo à vácuo, em estreitas serpentinas de vidro fino, só obtidas de um sopro controlado sobre um fogaréu típico de maçarico, todas formas moles, antes que lhes derretesse o sólido molde, e para flagrar-lhe o lume gasoso sob o fulgor do argônio tido como inofensivo, bastasse atravessá-lo ainda, com ímpeto e magnetismo, a mínima fagulha física ou única chispa, uma faísca fixada à indissoluta nuvem da sua coluna vertebral?
II
luz. de súbito habitando um casulo (ou tubo) onde é insone o neônio! eis o rito contraditório de uma luminosidade tão espessa, mas só contida às expensas (ou dos parênteses) da mais fina vitrina, a tripa vítrea e colorida cujo conteúdo é clarão contínuo e vivo, uma câmara de tortura abrigando um bicho luminescente, escorregadia enguia elétrica nadando na obscuridade de um aquário profundo, entretanto curto, enquanto há ainda, como causar-lhe sem escrúpulos, a quase asfixia com vapor de mercúrio. quanto mais sofre, cresce-lhe o brilho excedido da pele.
III
curvas de letras ou palavras inteiras são acrescentados à brancura pura dessa queimadura iluminada pela própria cicatriz, caso lhe emprestem alguma figura. muito embora fria, sua luz vacila pela via, pisca-pisca, ofusca vistas (é letreiro de neon zunindo o burburinho inquieto de um exército de insetos). sua ferida é um jorro de radiação halógena e quase machuca o olho o absurdo chafariz de fótons como se oriundo do couro cabeludo d’alguma medusa, abraçada a uma bobina de tesla, renovada em fogo-fátuo urbano, bruxa ou fada numa estranha fábula sobre a eletrocussão.

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